LIBÉLULA DE ORIENTE - Conto
SEM REVISÃO
Enfim, fiz setenta e sete anos. No dia 15 de Agosto de 2025, eu acho que quis ser uma libélula. Libélula de oriente, exatamente. Antes disso, em outro momento, deparei com a graça da libélula em seu voo aparentemente despropositado. Nesse momento, cheguei a imaginar que mesmo assim, poderia ter vindo de oriente, muito longe. Tentei filmar um pouco mas os saltimbancos principal motivo da graça vista aos olhos das pessoas só me permitia recortes fotográficos que logo abandonei. Deveria contemplar seu movimento, pouso e repouso e seguida retomada do seu voo saltitante, na sua leveza.
Era um voo de oriente, quase certeza, mas não era uma preocupação. É que às vezes, nós quedamos inadvertidos a imaginar como as libélulas, de vida tão curta, mesmo assim espraiam felicidade ao seu redor. Uma sensação de pertencimento nos leva a flutuar na natureza em abandono a tudo o mais.Um pouco planejando como seria aos noventa anos ou mais, nesse sonho de poder vivenciar novos momentos que retroagirão ao passado de quase um século, você se queda ao perceber que nem tudo que viveu foi bem incorporado ou compreendido, como deveria ser.
Nenhuma libélula, ave, planta ou flor vão te descrever a trajetória de suas vidas. Natureza que nós em nossa vã sabedoria ignorante já queremos decifrar, classificar e incluir no nosso mundo, digo nosso mundinho que é uma gotinha no mundo e muito, mas muito menor, no universo. Somos nós...Mas, porque estou especulando sobre a inevitabilidade da vida e sobre as influencias que amealhei para vir a ser o que sou hoje como se estivesse realizando um compreensível inventário? Já se disse que, quem acha que sabe...não sabe nada!Assim é. Ontem, dia 15 de agosto de 2025, li uma matéria no jornal Folha de S. Paulo que, em um passado pouco distante o país asiático foi um território anexado brutalmente pelo vizinho Japão.Diante dessa reafirmação, que expõe os 80 anos depois da ocupação da Coréia pelo Japão, tenho que dizer que fiquei chocado, de uma forma diferente: mais chocante do que anteriormente.
No meio disso tudo, poderia ser uma libélula ou considerar que eu era uma libélula, mas, no meio disso tudo, não sou uma libélula, eis que sou um ser humano, cidadão brasileiro, descendente de japoneses, sendo que minha mãe já havia nascido aqui no Brasil e o meu pai, imigrante, quase que migrante tendo chegado ao Brasil, em São Paulo, pouco antes de 1945. E aqui estou, diante desse fato que continua chocante, querendo dizer: cara! Não é mole! Não é brincadeira a vida que levamos e com isso, tentando ser feliz, de uma forma ou de outra, quer dizer, dentro do possível.É preciso lembrar que, em algum momento das minhas pesquisas para aprofundar o meu conhecimento e assim consolidar a base sobre a qual desenvolveria o tema do romance que eu desejava escrever, me deparei com a história da presença no Japão de um tal Comodoro que ali aportou com o seu poderoso navio para chamar o Japão a participar das relações internacionais, isto é, abrir os portos da nação para o comércio internacional, pensei em um dia, pesquisar sobre o assunto.
Naquele momento, o que mais me chamava a atenção era o relato sobre Murasaki Shikibu, romancista, dama da corte no período Heian (794 – 1185) que escreveu “Gengi Monogatari” considerado um dos primeiros romances literários do mundo. Concluído meu romance sob o título Yawara! A Travessia Nihondin Brasil, não deixei de anotar essa importante personagem.Mas, ficou na lembrança a necessidade de estudar as transformações que o Japão passou desde que deixou de ser um povo e uma nação fechada e desconhecida e nesse caso, poderia começar investigando a origem da presença desse tal de Comodoro aportado no Japão com o objetivo explícito de exigir a abertura dos portos ao comercio internacional.Em geral, era conhecida a história da participação do Japão na Segunda Guerra Mundial, com o ataque a Pearl Harbour, uma base que os Estados Unidos tinha no Havaí, sofrendo, em seguida o monstruoso ataque com duas bombas atômicas, atiradas pelos Estados Unidos, uma em Hiroshima e outra em Nagasaki, no dia 6 de Agosto de 1945.
Logo após esses ataques, o Japão se rendeu.Esse relato mínimo tem sido, ao longo do tempo, considerado o fecho tenebroso sobre a participação do Japão na Segunda Guerra Mundial. No mesmo dia 15 de em que lí a reportagem do jornalista Daigo Oliva, sobre o ataque e anexação da Coréia, o Consul Geral da China em São Paulo, Yu Peng fez também um relato das atrocidades da guerra entre a China e o Japão no período de 1931 a 1945, com a rendição do Japão ao final da Segunda Guerra Mundial. Daigo Oliva assim se expressou: “Quem apenas conhece os produtos do soft power sul-coreano, de astros do k-pop, produções de k-drama, gastronomia, cosméticos e sucessos de filmes e seriados como "Parasita" e "Round 6", mal imagina que em um passado pouco distante o país asiático foi um território anexado brutalmente pelo vizinho Japão. Por 35 anos, de 1910 a 1945, não por acaso o ano do fim da Segunda Guerra Mundial, o império nipônico impôs um regime colonial à então Coreia (a separação entre Norte e Sul só ocorreria no pós-guerra)”.
Ainda chocado com essa reportagem, a segunda matéria, na própria Folha de S. Paulo, escrita pelo colunista convidado, Yu Peng, cônsul-geral da China em São Paulo, que fez um triste relato da guerra do Japão com a China no período de 1931 a 1945, fiquei muito mal, me senti agredido por tamanha atrocidade e foi nesse momento que considerei que eu fui uma libélula todo esse tempo. Como libélula, queria saber em que momento o Japão, terra e civilização dos meus ancestrais, passou a adotar essa postura belicosa, os motivos que levaram ao ataque a Pearl Harbor e o revide atômico pelos Estados Unidos com as bombas atômicas em Hiroshima e em Nagasaki que matou cerca de 70 mil pessoas naquele momento e mais outras 60 mil, aproximadamente, no decorrer do mesmo ano, como consequências do efeito atômico. Akitsu era o nome que se dava às libélulas no Japão arcaico, isto é, desde os anos 700 d.C., o livro de história mais antigo do país, o Kojiki, se referia ao Japão como “Akitushima”, ou ilha das libélulas. No Japão, as libélulas se proliferam nos campos alagados de plantação de arroz, onde botam os seus ovos.
Então, se você quiser ser uma libélula de oriente, tudo a ver. Porque essa insistência para que as pessoas se considerem libélulas? Não é que eu esteja querendo que nós, os nikkeys, descendentes de japoneses no Brasil nos transformemos magicamente em libélulas, “Akitsu” como se falava antigamente no Japão. É que, por mais que você seja realista, seja o que não é para se manter firme e coerente, é difícil nesse mundo, aceitar que o mundo é feito de guerras, atrocidades e destruição.
Penso que, possivelmente, nessa hora em que você esteja entretida ou entretido com seus trajetos ou seguimento, talvez, penso eu, você esteja sendo também libélula, como sou de vez em quando e seguimos em frente...Parece-me que seja possível ser libélula sem mesmo saber que o é, isto, no dizer meu. Não quero afrontar, induzir ou criar cisma sobre essa idéia. Estou apenas relatando minha percepção sobre as coisas da vida, como ela é, como elas são, no meu modo de pensar.Mas, veja bem, as libélulas vivem no máximo algumas semanas, dizem. Tem relato de que algumas espécies vivem por vários meses. Então, a vida é curta mas elas se reproduzem com facilidade e procriam para a eternidade.
Pode parecer um certo conformismo ou mesmo um niilismo que procura te afastar da realidade, mas não é isso. Aliás, é exatamente para dizer que ao se constatar como libélula você, eu, nós, estamos querendo dizer que sabemos de tudo que circula à nossa volta. É isso. Então, nós é que podemos dizer: O que você está fazendo?
E assim, com o nosso poder mágico, vamos repassando às pessoas, mesmo que seja apenas um poder mental, a questão – o que você está fazendo? De forma que, ao diferir, uma percepção da outra aconteça no senso mundial. Você terá percepção maior ao seu redor, ao nosso.
Fique calma, fique calmo. Fiquem tranquilos e tranquilas, pois há o sentimento de que nós, as libélulas na nossa humilde e ingênua presença estejamos causando.